Deixe o “para” e faça “junto com”
O Programa Volvo de Segurança no Trânsito (PVST) convidou Beia Carvalho, palestrante futurista, fundadora e presidente do Five Years From Now®, para colocar seu olhar sobre a segurança viária. Um futuro com Zero Acidentes é possível ou é utopia? O avanço da tecnologia pode contribuir para zerar as mortes no trânsito? O resultado dessas reflexões está na entrevista abaixo.
Convidamos a futurista Beia Carvalho, para colocar seu olhar sobre o trânsito: um futuro com Zero Acidentes é possível?
Beia, na sua visão, um futuro com Zero Acidentes é utopia ou pode ser realidade?
Em toda utopia está inserida a ideia do possível. Você acredita nela. Eu acho possível, do mesmo jeito que zero crime em Nova Iorque era uma utopia. Hoje a cidade vive seu momento mais seguro em décadas. Para se alcançar um objetivo, mesmo que ele pareça utópico, tem que haver metas claras. E nós precisamos ter esse objetivo.
Na sua opinião, o que é necessário para um futuro com zero mortos e feridos no trânsito?
Nós estamos na entrada da terceira década do século 21 e as pessoas se referem a este século como se ele tivesse acabado de começar. A maioria das pessoas ainda age como se estivesse em 2001. Uma das coisas que a gente faz, e que não tem a ver com o século 21, é fazer as coisas para o outro. Eu vou criar uma campanha para os jovens, para os caminhoneiros, para as mulheres. Fazer alguma coisa para alguém, para um grupo é uma coisa que tem a ver com hierarquia, já que tenho os meios para isso, ou porque eu sou melhor, ou porque eu tenho autoridade. No século 21 a gente faz as coisas junto com os outros e não para os outros. E para fazer “junto com” a gente tem que ouvir as pessoas, independente do grupo com o qual você queira se comunicar. É necessário chamar as pessoas, apresentar o problema, os números, e perguntar: o que podemos fazer?
O caminho para se chegar a zero acidentes ainda é longo?
Para falar de Zero Acidentes temos que passar pelo autocuidado. Apesar de tudo, de todas as informações que temos sobre a Lei Seca ser uma infração gravíssima, as pessoas dizem: “eu só vou tomar uma tacinha de vinho, porque estou dirigindo”. Aí você fala: “não, a lei é zero álcool, não há tolerância, não importa se você só tomou apenas uma tacinha”. Então, às vezes, mesmo você falando de zero, o cara não compreende que zero é zero.
Quando falamos de autocuidado, vejo a humanidade ainda numa infância. Como toda essa coisa da tecnologia é muito profunda, forte, transformadora, e ao mesmo tempo muito recente na história do homem, ainda estamos no jardim de infância. Quando você olha para as pessoas que dirigem e falam no celular, você está falando de todo mundo, independente do grau de instrução ou da classe social. Apenas algumas pessoas já estão na adolescência. E precisamos chegar rapidamente à maturidade do autocuidado para estendermos isso à sociedade.
Pouquíssimo tempo atrás, estamos falando de 8 anos, 10 anos, você ia a lugares bacanas, num restaurante, tocava o celular, a pessoa atendia e falava muito alto. Hoje, é muito raro você ver isso. Ou seja, houve uma evolução da infância para a adolescência e para idade adulta. As pessoas já entenderam que não dá para ter esse comportamento, pela própria força da sociedade.
Cabe a nós, que já estamos conscientizados, que já fizemos a universidade do autocuidado, iniciar essa mudança. A meta do zero é muito forte. E tem que ser assim para ter força de engajamento. Vamos lutar por zero crimes, por zero álcool e direção, para que haja zero acidente.
Acredita que a solução pode estar nas novas gerações?
Sim. Se você tiver que escolher um público para investir em formação, o melhor investimento é na Geração Z (de 9 a 21 anos) e Geração A (até 9 anos). As pessoas dessas gerações são as que vão falar “lógico que tem que ser acidente zero”. “Acidente mata gente e eu não quero matar gente”. Para eles não é utópico, para eles é óbvio. “Não queremos matar gente, não queremos ter acidente, não queremos que as pessoas fiquem tetraplégicas”.
Essas gerações nasceram com as células para viver em 2050, para achar o que vai acontecer em 2050 normal. As outras gerações conviverão com o futuro, mas vão achar uma loucura. Então, são essas novas gerações que sabem das coisas no futuro, e sabem porque têm as células para isso. E são esses novos cidadãos que terão a força de trabalho e estarão pensando o mundo daqui a 20, 30 anos.
Para as pessoas que estão no trânsito hoje, suscetíveis a sofrer um acidente, a tecnologia, pode ser uma aliada na redução de acidentes?
Com certeza. É o que estamos esperando. Quando você olha para as potencialidades da tecnologia, você consegue ver inúmeras coisas benéficas e inúmeras maléficas. A gente tem que lutar para que as coisas benéficas se realizem.
O ser humano, apesar de sua inteligência, é um ser movido a emoções. O celular toca e ele não deveria atender porque está dirigindo, mas é a namorada ou o namorado e ele vai atender. Por que? Porque a emoção está falando primeiro. Então, a tecnologia usada para “corrigir” nossos impulsos emocionais, no sentido de nos alertar, ajuda na correção de rota. Ajuda a quebrar resistências. A resistência é natural do ser humano. Você resiste em deixar o telefone de lado quando está na direção, assim como você resiste em levantar mais cedo para se exercitar, ou resiste em fazer dieta. Você não vai, naturalmente, fazer essas coisas. A ação para quebrar essa resistência tem que ser forte. Tem que pegar pelo coração.
Você é publicitária. Então, como “pegar pelo coração” para reduzir acidentes e mortes no trânsito?
Quando você vai no hard, e diz “dirigir e falar no celular causa acidente, causa morte”, não tem efeito, entra por um ouvido e sai pelo outro. Isso é ordem, é muito chato, e as pessoas são blindadas contra ordens. Quando tem efeito? Quando a gente engaja. E como engajar 200 milhões de pessoas?
Aqui eu dou um exemplo pessoal. Quando eu comecei a usar o aplicativo dos 10 mil passos, eu comecei a competir comigo mesma. Todo dia eu faço um esforço para dar 10 mil passos. As vezes faltam só 2 mil, então vou me esforçar para completar minha meta.
Você citou a história dos motoristas que começaram a competir para melhorar as médias de consumo de combustível, comparando os resultados com o uso de um aplicativo. A competição surgiu naturalmente, partiu deles. Por que? Porque eles estão interagindo com pessoas com as quais se identificam, que têm as mesmas habilidades. Isso é gameficação, é engajamento. Você está usando tecnologia avançada e gameficação para fazer a comunicação e gerar engajamento.
Beia Carvalho é fundadora da Five Years From Now®, um espaço para reflexão sobre o futuro
Quem é Beia Carvalho
Beia Carvalho é fundadora da Five Years From Now®, um espaço para reflexão sobre o futuro. O objetivo é inspirar pessoas e empresas a viajar para o futuro e visualizarem suas vidas e organizações daqui a 5 anos. Beia pesquisa o futuro, os rumos da inovação e das gerações atuando nestes processos. Publicitária premiada com 4 leões de ouro em Cannes, integra os coletivos CEO LAB e London Futurists.
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