Há uns 2 anos, a maré da praia central de Pipa, subiu demais da conta e formou essa maravilhosa lagoa, chamada pelos nativos de “maceió”, com barquinhos, que te atravessam pra lá e pra cá. Dê uma olhadinha na foto: distinguiu a lagoa, praia e mar? Tudo muito lindo, não? Pois bem, depois de um tempo, essa maravilha começou a feder e a Prefeitura tomou uma decisão: cavar um caminho, bem no meio da lagoa (sinalizado na foto pela bolinha vermelha), para esvaziar a lagoa jogando seu lodo no mar.
Costumo caminhar muito cedo na praia, não aguento o solzão da linha do Equador. Eram 7 da manhã, quando vi aquele trator enorme cavando o túnel entre a lagoa e o mar. Como sempre acontece nessas ocasiões, tem uma pessoa trabalhando e um monte de gente olhando e palpitando.
Nem era tanta gente assim, a maioria pescadores e nativos começando os preparos para mais um dia de rachar o coco. E o zunzunzum comendo solto. Fui me aproximando e compreendi a indignação: na opinião dos nativos, o local do túnel estava totalmente errado. Deveria ter sido cavado no extremo norte da lagoa (sinalizado na foto pela bolinha azul), por 2 razões: primeiramente, porque aquele é o ponto mais profundo da lagoa. Segundo, porque o mar ao norte é mais profundo, com marés mais agressivas, o que levaria a água lodacenta da lagoa muito mais rapidamente para o alto mar.
Dito e feito. Assim que o tratorista abriu a “comporta”, a água correu para o mar e … logo parou. Como previsto, a água marrom invadiu a praia bem ao centro, e lá ficou até o final do dia, sem força para alcançar rapidamente o alto mar. Permitam-me uma pequena digressão: o prefeito achou que esse era o timing perfeito para tomar essa decisão? No alto verão de Pipa, enfeando o magnífico azul desta praia?
Voltando. Dali alguns dias, revejo o trator cedinho na praia. Ingenuamente, conclui que o prefeito havia dado atenção aos múltiplos olhares que sempre estão presentes ao redor de qualquer problema. Traduzindo, que havia dado ouvidos aos nativos. Bobinha. Necas! O trator se posicionou exatamente no mesmo local, e apenas cavou um pouco mais profundamente. A patética cena se repetiu: uma insignificante quantidade de água escorreu para o mar. E a lagoa continua lá. Linda e fétida. Para você ter a dimensão da quantidade de água, a foto que tem as bolinhas foi tirada dias após a segunda investida do prefeito!
Bem, e daí?
Meu ponto é que não existe ambiente colaborativo (entenda-se: um ambiente físico ou virtual, onde ideias dissidentes, divergentes e heréticas possam ser livremente expressadas) numa estrutura hierárquica com o poder centralizado.
Portanto, se quisermos construir ambientes, momentos ou uma existência de colaboraçãotemos que mudar as estruturas hierárquicas, formais e vagarosas, com vozes de comando top-down, e que nos trazem uma falsa sensação de segurança; para estruturas em rede, mais ágeis, que acolhem a diversidade tão cara à inovação. Nas estruturas em rede, desenhadas de forma tão simples e genial por Paul Baran, o conhecimento e o poder estão distribuídos. Se um pescador morre, o conhecimento não se perde na rede distribuída.
O exercício que proponho é passarmos os nossos problemas por esse filtro, pelo “corredor polonês” das redes: estamos resolvendo os nossos problemas como a Prefeitura de Pipa? Pergunte-se:
- Estamos resolvendo nossos problemas de forma centralizada, sem ouvir os pontos de vista dos diversos olhares em torno de um mesmo problema?
- Temos alguma dúvida de que os nativos conhecem muito mais e tem uma experiência concreta e acumulada sobre as marés e “maceiós” das praias de Pipa?
Faça esse exercício: substitua os “nativos” por “estagiários” e pense quantas vezes você achou que tinha algo a ganhar se ouvisse a voz de um estagiário.
Veja, que nem diante do primeiro fracasso da Prefeitura, ela cogitou em consultar alguém, antes de repetir o mesmo erro e cavar no mesmo local. Por que? Porque nas estruturas hierárquicas não há espaço para o reconhecimento de erros. Chefes não erram. Isso é coisa de líder, rs.
E durante a sua fala, na abertura da Convenção, Paula Cardoso, a CEO do Banco Carrefour trouxe muitas ideias de exercícios sobre como aprender com os erros. Este é o mindset: expor e agir sobre o erro e não varrê-lo pra debaixo do tapete.
A rede distribuída é terreno fértil, sua dinâmica, seu oxigênio é a colaboração. Sem atmosferas de engajamento, onde o conhecimento possa ser facilmente compartilhado, a colaboração fica sufocada.
Sem ambientes colaborativos, aquele “grito” dos nativos literalmente morre na praia. A liderança colaborativa te coloca no eixo da visão. O chefe, só quer estragar o seu dia.
NOTAS
Estrelas do Futuro: o Chefe e o Líder
-Para mais sobre assuntos sobre a nova Era, assista a minha mini série “Estrelas do Futuro” baseada no filme Hidden Figures sobre as matemáticas negras da NASA. São 3 vídeos: 1) Visão de Futuro e Liderança, 2) Igualdade de Oportunidades 3) Caindo na Real.
-A presidente do Banco Carrefour Brasil, Paula Cardoso, reuniu 4 palestrantes mulheres para inspirar sua plateia para o Futuro. Eu fui uma delas e falei sobre #Futuro & #Colaboração. Os participantes puderam escolher por app quais das palestrantes queriam assistir. Foi incrível! As outras 3 palestrantes simultâneas foram com Monica de Carvalho, do Google; Ana Cortat, da Miami Ad School; e Lala Deheinzelin, da Crie Futuros. Cenografia incrível da Trade Plus. Parabéns, Luciana Mello .
-Paul Baran, 1926-2011. Um dos inventores da rede de comutação de pacotes, junto com Donald Davies e Leonard Kleinrock. Mais na Wikipedia.
–Corredor polonês é o nome popular dado a uma passagem estreita formada por duas fileiras de pessoas alinhadas lado a lado, todas voltadas para o centro. O objetivo é maltratar, seja com pancadas ou com o uso de porretes ou arma branca, quem é forçado cruzar a passagem, como forma de represália a alguém que se posiciona contrário a certo ideal ou pessoa.
-Meus agradecimentos a minha amiga Flavia Moura, cearense morando em Pipa, por todos os momentos incríveis que compartilhamos.
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