Eu tinha exatos 30 anos. Acabara de me divorciar e tinha um filho de 4 e outro de 2 anos. Era sócia há 3 anos, da loja mais cool de São Paulo, a Naphtalina, que vendia bric-a-brac e ficava na Oscar Freire. Quando lentamente a rua se movia para se tornar o point do luxo em São Paulo.
Tinha sido casada por quase 10 anos e achava que muito difícil que me casasse novamente. Não porque não quisesse. Quem me conhece sabe que a minha musa inspiradora neste assunto sempre foi a Liz Taylor e seus 8 casamentos. Não cheguei lá, parei no 3º. Mas a vida é longa e ainda não desisti.
Mas voltando a situação de recém divorciada, eis que surge na minha vida, assim, sem quê nem para quê, um cara que era amigo de amigos e do ex-marido.
No ano anterior, um programa comandado pelo Goulart de Andrade saiu da Globo, foi pra TV Bandeirantes e passou a se chamar Comando da Madrugada. Naquele início de 1984, minha sócia e eu fomos procuradas pela equipe, nem em lembro como, para que Goulart gravasse o programa na loja. Comentei com o tal “cara”, assim “sem quê nem para quê”, que se ele quisesse participar da gravação, seria engraçado.
Sei que era tarde da noite, mas não me recordo o horário. Toca a campainha. Entra o cara. Wow! Um metro e oitenta e cinco de jeans bem escuro justo, perfumado, o sedutor caminhante.
Pouco mais, chega Goulart. Entra sacando um chapéu da chapeleira bem à porta e move-se pelos ambientes como se trabalhasse no local. Ao mesmo tempo, que tudo para ele era muito familiar, nos sentíamos super familiarizados com ele. Sim-pli-ci-da-de. Que qualidade simples e difícil de encontrarmos nos seres humanos!
Ontem, revendo a sua entrevista no Roda Viva, 30 anos após seu programa na Naphtalina, pude sentir a mesma sensação. A simplicidade e o caos. Quem revir o programa, vai ver que o âncora Augusto Nunes deixa de ancorar o programa para babar sobre o ídolo! É o poder de Goulart de Andrade. Calmo, falando baixo, sem rompantes e quebrando códigos. Ele se levanta do centro do Roda Viva e caminha. Augusto Nunes fica aflito, medo que ele se desconecte do microfone … Não me lembro de nenhum convidado deste programa que tenha se levantado da cadeira nestes 30 anos! Tão simples, tão inesperado. Tão bom!
A Naphtalina vendia o cotidiano antigo, o bric-a-brac: joias, bijuterias, latas de bolacha, roupa, acessórios, canivetes, canetas, fotos, calendários, postais, muitos brinquedos e bonecas, a vida do começo do século passado até os anos 1950.
Goulart começou a se “montar”. Me lembro que fez o programa com uma capa que achou num cabide e o tal chapéu. E todos ali também lançaram mão de algo para se fantasiar. Era como micro festa da fantasia, numa mini ilha da fantasia, com uma mega alegria no ar. Esta é a minha lembrança, embaçada e feliz de 32 anos atrás.
O Maurício, que tenho a certeza vai ler este post, poderá contribuir com a parte da memória dele. Começamos a namorar naquele ano. Ficamos juntos por 8 anos. Acho que a Liz Taylor se casou mais vezes, porque ela ficava menos tempo com os maridos.
Nesta semana, perdemos dois grandes jornalistas, memorialistas e mentores: o Goulart e o Geneton – aquele que fazia as perguntas que a gente nem sabia que a gente queria fazer. Simples assim.
Pesou para as gerações mais novas: tem que sair desta meninada pelo menos dois geninhos para que não fiquemos órfãos!
Notas:
Ainda não havia celulares, nem redes sociais. Que bom, minha memória se lembra de uma noite maravilhosa!
Goulart de Andrade, 1933-2106
Geneton Moraes, 1956-2016
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